Carcassonne

A quem não conhece, e não sabe o que perde, explica-se bem. Peça a peça, jogador a jogador, vai-se desenhando o mapa de Carcassonne. Nunca é igual, que a única regra para colocar as peças é a do dominó, os lados têm de bater com o que está à volta, mas seguramente que não irão faltar castelos, estradas, mosteiros e muitos muitos campos verdes. Cada um de nós, jogadores, tem sete homens coloridos (aviso desde já que os vermelhos são meus) que vai colocando, ou não, em cima da peça por ele jogada para reclamar como seu o futuro castelo, a estrada, o mosteiro. Ou, e este ou é o busílis do jogo, os tais campos verdes que dão animação à coisa. Homem posto no campo é homem perdido até ao fim do jogo, que dali já não sai. A agricultura é assim, para a vida. Castelos, estradas e mosteiros são mais versáteis que assim que estiverem terminados libertam o seu construtor para ir carregar tijolo para outro lado ou dedicar-se à agricultura, enquanto que o irmão mais novo, o oitavo homem, avança umas casas no tabuleiro dos pontos depois de se fazerem as continhas aos ganhos imediatos por mais uma obra terminada.

Qualquer principiante, ou até jogador batido mas garganeiro, atira-se a construir grandes castelos, longas estradas, mata e esfola por mais uma pecinha que lhe irá dar um mísero ponto num mosteiro e encosta-se na cadeira, com olhar de gozo, vendo o seu homem avançar desalmadamente no tabuleiro deixando os outros para trás como se o jogo ganho fossem já favas contadas. Não são, faltam os pontinhos dos campos e esses só se contam acabado o jogo. São os campos que decidem tudo porque agricultor pode não ser castelão mas não tenha o castelão que comer que bem pode fazer-se à vida. O intuito do agricultor é ocupar campos onde irão ser construídos, por quem quer que seja, muitos castelos, porque são o castelos que lhe dão os decisivos pontos, mas ganhar os campos é difícil e trabalho para especialistas. Eles têm de comunicar entre si e qualquer estrada ou esquina de castelo pode deixar o pobre lavrador encerrado num cantinho de onde já não pode sair ou a servir de estátua no meio de uma bela rotunda. E depois há os outros agricultores. Campo que já tenha um não pode ter outro mas com muita perícia e alguma estratégia pode-se sempre tentar unir, peça a peça e sem dar nas vistas, um campo nosso a um campo do vizinho e passar a dividir com ele os castelos que já tinha. Ou, melhor ainda, pela surrelfa e sem grandes alaridos, podemos juntar vários dos nossos campos aos campos do vizinho e os nossos agricultores, em maioria, abarbatam-se com as culturas que tanto trabalho deram aos outros. Os campos. O jogo ganha-se e perde-se nos campos.

Gosto de jogar Carcassonne com a minha amiga Peixa. Conversamos, comemos, bebemos, rimos, como amigas que somos, claro, mas nem por um momento, um mísero segundo, tiramos os olhos do jogo ou baixamos as defesas, batendo-nos nos campos até ao fim e conservando o sorriso nos lábios sempre que a outra, em linguagem técnica, nos froquilha a jogada. Passamos horas nisto e nem piamos. A técnica da Peixa é conhecida, espalha agricultores pelos campos mais remotos e pacientemente vai-se dedicando a juntar aquilo tudo. Eu sou mais concentrada, junto os meus homens e tento bloquear a passagem dos outros. Umas vezes ganho eu, outras vezes ganha ela.

E agora, explicado que está o Carcassonne, vamos à vida. É que Carcassonne é jogo de gaija. Nunca, até hoje, um gajo nos ganhou o jogo, a não ser uma ou duas vezes e porque tiveram ajuda, e gajas então, daquelas sem “i”, é melhor nem tentarem - muito gritinho, muita palminha, muito castelinho mas sem verem um boi do que estão a fazer. Os homens são diferentes, eles tentam, eles esforçam-se, mas a não ser que tenham passado à categoria de ex’s eles são muito bonzinhos, muito delicados, ajudam-nos a acabar os nossos castelos, acrescentam-nos as estradas, perguntam se por acaso a peça que lhes saiu nos dá jeito para qualquer coisinha, e não conseguem perceber, nunca, que lá longe, nos campos, as gaijas estão-lhes a froquilhar o jogo todo sem perderem a compostura e nunca deixando de os tratar por meu amor. E no fim, feitas as contas decisivas, amuam, fazem beicinho, sentem-se prejudicados e não conseguem perceber que jogo é jogo e que uma gaija, por muito querida que seja, nunca tira os olhos do tabuleiro, mesmo que continue a servir as tapas e a encher os copos, e nunca, mas nunca, perde a oportunidade de lixar a jogada de quem esteja mais distraído ou a de quem não lhe chegam os neurónios para perceber o que está a acontecer por ali.

Vamos jogar um Carcassonne?

E sim, podem considerar este post ligeiramente, mas só ligeiramente, metafórico.

 

(espaço publicitário: parece que se vende na FNAC e na Bertrand, custa menos de vinte euros e vale cada cêntimo gasto)

2 comentários:

Cleo disse...

Ai que saudades de Carcassonne!Melhor do que o jogo só visitando este magnífico sítio. E dormir dentro das muralhas e castelos é um sonho. Já lá estive duas vezes e anseio por uma terceira vez. Vou a correr comprar o jogo.

Sónia

Anônimo disse...

é mesmo jogo de gaija, tanto, tanto, que devia chamar-se cabrassone

Hanónimo