Ass (L) ombroso.

E se nos dissessem que o violador tipo era moreno, entroncado, usava bigode e tinha olhos castanhos? Ou que o "criminoso nato" tinha nariz torcido, maxilares salientes e era estrábico? Ou mesmo que a forma do crânio, sede da alma, poderia indicar a propensão para o crime e que o seu estudo ajudaria à sua prevenção?

Lombroso foi um médico italiano, nascido no princípio do sec. XX, que disse isto tudo e muito mais. Aproveitou os estudos de Gall sobre frenologia, ou melhor, de como a forma da cabeça poderia condicionar a mente, e desenvolveu uma teoria criminalista a partir daí. Por várias razões, e uma delas foi ter sido o primeiro a usar o termo "prevenção" aplicado ao crime, contrariando a doutrina corrente de pura repressão, as suas teorias foram levadas a sério e fizeram escola. Durante uns tempos o "apalpar" das cabeças foi um dos métodos usados para descobrir o criminoso e o seu desenho acompanhava o cadastro.

Assustador, não é? Mas lembrei-me do Lombroso quando li esta notícia:

Reconhece que a base de dados pode criar problemas de estigmatização das crianças e que o consentimento dos pais e o papel dos professores na identificação dos futuros delinquentes teria de ser discutido. Mas sustenta que é necessário um debate aberto e maduro sobre a melhor forma de lidar com o crime antes de ele ocorrer.
Mas na vida real, a polícia britânica já recolhe amostras de ADN de jovens entre os 10 e os 18 anos que sejam presos, desde 2004. E ainda na semana passada, as autoridades divulgaram que os dados recolhidos rondarão 1,5 milhões de amostras no próximo ano. As associações da sociedade civil relacionam a ideia com ‘livros de ficção’, condenando-a veementemente. Um dos sindicatos de professores avisou que a medida podia aproximar o país de um «estado autoritário», de acordo com o Guardian. Mas um relatório do Instituto de Investigação para Política Pública do Reino Unido, sustenta que «a prevenção deve começar cedo, porque os criminosos costumam começar a cometer delitos entre os 10 e os 13 anos». '

'Deviam era investir em segurança' «Não há base científica nenhuma», sustenta o médico geneticista Mário de Sousa. O especialista do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, sustenta que «todos os estudos revelam que os comportamentos agressivos derivam do ambiente que se proporciona às crianças». «Não querem é investir em boas escolas, boas casas e polícia na rua, como cá também não querem. Mas deviam era investir em meios seguros para as crianças». O geneticista é peremptório: «Se não cometeram nenhum crime, não devem constar de nenhuma base de dados, pois no ADN vem outra informação como as doenças e já se está a ver onde isso pode levar…» «Nós [médicos-geneticistas] sempre fomos contra bases de dados genéticas da população sem antecedentes criminais».

Há por aqui confusão, mas de qualquer forma é assustador.
Não me parece que a proposta inglesa seja a de fazer exames de DNA para descobrir a "propensão genética para o crime", mas recolher o DNA de quem for identificado como "potencialmente criminoso". Ou seja, querem fazer uma base de dados que permita, no caso de um crime, verificar de imediato se foi ou não cometido por quem já está identificado pelo sistema.
Mas é esta "propensão para o crime" que me lembra o tal de Lombroso. Será que recolhem o DNA das crianças estrábicas? Ou das morenas? Ou das árabes? Ou das que gamam as chupetas do bébé do lado?
Minority Report, como dizia o Pedro Sales no Zero de Conduta.

Os ingleses, que zelam tanto pela sua privacidade que nem Bilhete de Identidade têm, querem agora uma base de dados que poderá indicar desde a cor dos olhos até à propensão para o cancro da próstata ou a cirrose. Sendo que estes mesmo ingleses se especializaram, nos últimos tempos, a perderem bases de dados com informações confidenciais de milhões de cidadãos, parece que estão a querer brincar com o fogo. Como, para além disso, têm andado de lingua na boca com os mui integros serviços de informações americanos, talvez tenhamos razões para julgar altamente perigosa uma ideiazinha idiota como esta, sem ser sequer necessário discutir os caminhos por onde nos poderia levar.

Mas agora, aqui entre nós, vamos supôr que só queriam a impressão digital do futuro potencial criminoso. Horrível na mesma, não era? Era, mas também é o nosso dia a dia. Não há português, criminoso ou não, que não tenha a sua impressão digital postada no BI e supostamente catalogada e arquivada. Para quê? Não faço ideia, mas também não vejo ninguém a chatear-se com isso. O que tem graça, que somos tão ciosos dos nossos "direitos" e depois rolamos o dedinho na tinta, como qualquer cadastrado que se preze, numa herança directa de um estado autoritário. E, para além de não chiarmos, nem sequer nos perguntamos para quê.
Felizmente é, ou tem sido, para nada, que estamos em Portugal. Até agora, os milhões de impressões digitais recolhidas pelo Arquivo Nacional andam por lá metidas em caixas, provávelmente com um número qualquer, mas sem utilidade prática. Não estão catalogadas nem identificadas e só servem para ocupar espaço. Já pensaram que nunca se ouviu contar que um criminoso tenha sido descoberto pela busca das impressões digitais no Arquivo Nacional? Isto é tipicamente nosso. Andamos há anos a gastar tinta, papel, tempo, paciência e dignidade para nada, que aquela impressão digital no nosso BI não serve para nadinha, excepto como manobra intimidatória de um estado imbecil.
E nós lá vamos cantando e rindo e dizendo que "bases de dados" de quem não é criminoso? Nem pensar! Minority Report, pois claro.

3 comentários:

Anônimo disse...

Lombroso? Tás em forma, pá... :-)
Eu sempre achei que o formato do teu crânio era o de pessoa com jeito para a blogarice. E confirma-se.

Teresa disse...

Deve ter sido da rapadela que levei na nuca... refrescou-me as ideias!

(nem imaginas, fui cortar o cabelo e, como sempre, entreguei-me nas mãos do Luís. O tipo olhou, voltou a olhar, apanhou-me o cabelo num rabo de cavalo - contrariamente ao que é costume estava bem comprido - e depois meteu a tesoura, cortou rente e com um gesto despiciente atirou com o meu cabelinho para o caixote do lixo mais próximo... foi traumatizante, mas não é que ficou bem?)

Ângela disse...

É pena é que os que têm ar de quem não parte um prato sejam os que, assim que lhes dão hipótese, partem logo a cristaleira toda..
bjs